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CULTURA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Foto do escritor: Cleber DiasCleber Dias

Cleber Dias


Entendida de modo abrangente, incluindo educação, artes, esportes e lazer, cultura é causa ou consequência do desenvolvimento econômico? Recentemente, Wecisley Ribeiro avançou sobre o tópico aqui no blog, que nos consome há mais de um ano em conversas telefônicas, trocas de textos, longas mensagens de áudio, além de toda sorte de provocações recíprocas. Quais seriam então as minhas ponderações e observações adicionais?


As causas principais do desenvolvimento econômico estão na sofisticação tecnológica e na diversificação da estrutura produtiva. No processo de construção desses requisitos, a educação e outras formas de capital cultural são condições necessárias, mas não suficientes.


Um país com uma população altamente escolarizada, mas sem uma estrutura produtiva diversificada e excluído das vanguardas tecnológicas, tende a estar condenado a apenas subutilizar as capacitações de sua força de trabalho, bem como a assistir seus trabalhadores qualificados migrarem para outros países, dado que não haveria ocupações em número suficiente para absorve-los. É sempre frustrante, afinal, ter um diploma universitário e se ver trabalhando no caixa de uma padaria.


De certo modo, o Brasil vive já algo nesse sentido, pois a expansão universitária nas últimas décadas não foi acompanhada por uma correspondente industrialização da economia. Ao contrário, essa expansão ocorreu concomitantemente a uma acelerada desindustrialização.


Medidas dos governos do PT, apesar de terem expressado muita vontade diante dessa agenda econômica, não tiveram capacidade política suficiente, nem talvez o adequado arcabouço teórico, para reverter esse quadro geral, conforme apontam estudos do cientista político Renato Perissinotto, professor da Universidade Federal do Paraná.


Há ainda outro problema importante. Instituições de ensino do Brasil são terrivelmente obsoletas com relação aos seus métodos e filosofias. Entre nós, predomina ainda entendimento escolástico que vê no diploma um ornamento distintivo de classe, não um recurso para a resolução de problemas do mundo real. A própria ideia de que as universidades devem estar mais engajadas com os mercados de trabalho ainda é vista com desconfianças nos ambientes acadêmicos brasileiros, como se fosse um indecente chamado a descer da torre de marfim para se sujar no mesquinho e ganancioso mundo da produção. Assim, dificulta-se a ampliação da integração das universidades e suas pesquisas ao ecossistema de inovação e empreendedorismo.


Sem surpresas, portanto, a estagnação econômica brasileira coincide com a expansão do ensino superior e também com a debacle da estrutura industrial do país. Diante do papel que se atribui à educação para o desenvolvimento, associado ao período de expansão tímida de investimentos no setor nas duas últimas décadas, não deveríamos estar em meio a uma economia próspera e de pleno emprego, se não ao menos estável, ao invés de recessiva?


Existem abundantes evidencias que exibem a correlação entre escolaridade e renda, reforçando a sugestão do vínculo entre educação e desenvolvimento econômico. Do mesmo modo, existem também muitos dados vinculando a participação ou o consumo cultural com a renda ou a escolaridade. Veja-se o gráfico abaixo que elaborei com dados da OCDE e do Eurobarômetro da Comissão Européia para alguns países do continente, repetindo resultados reiteradamente apresentados por vários pesquisadores, para vários períodos e a partir de diferentes métodos.

Fontes: EUROPEAN COMMISSION. Cultural acess and participation – report. Luxembourg: Directorate-General for Education and Culture, 2013, p. 51; OECD (Organisation for Economic Co-operation and Development). OECD Factbook 2015-2016: Economic, Environmental and Social Statistics. Paris: OECD Publications, 2016, p. 49.


O gráfico exibe a correlação entre renda per capita e participação em atividades culturais. Quanto maior a renda per capita do país, maior a participação em atividades culturais (nesse caso, dança, filme, fotografia, canto, escultura, pintura, desenho, artesanato, literatura e teatro). No entanto, qual seria a direção de causalidade entre esses fatores? A população da Suécia participa de mais atividades culturais porque é mais rica e escolarizada ou é mais rica e escolarizada porque frequenta mais atividades culturais?


Há um apreciável esforço estatístico recente em tentar estabelecer a primazia da cultura para o desenvolvimento econômico, no que tem sido genericamente chamado de “novas teorias do crescimento”. Segundo essas novas abordagens, o capital humano, o capital cultural, o capital artístico ou o capital criativo desempenhariam agora papel de destaque no processo de desenvolvimento econômico.


Os mais céticos, no entanto, com os quais cerro fileiras, já classificaram tais conclusões como “velhos placebos em novas embalagens” (a expressão é de Laura Reese e Gary Sand, ao comentarem acidamente a obra do sociólogo Richard Florida, um dos ícones dessas novas teorias). Entre outras coisas, pode-se criticar tais conclusões por serem fundamentadas em modelos matemáticos bastante abstratos, ao mesmo tempo em que os dados são sempre de países industrializados, onde as estruturas produtivas já são significativamente diversificadas e tecnologicamente sofisticadas, além das rendas e dos níveis de escolaridade serem elevadas.


A fortuna crítica deste assunto edificou-se a partir de análises sobre a moda em Milão, o circuito teatral em Nova York, as micro cervejarias na Califórnia, o mercado editorial na Alemanha, a produção de joias em Birmingham, a música clássica em Amsterdã, a música popular em Estocolmo, a indústria de vídeo games no Japão, os festivais de cinema em Roma, os museus em Montreal, o turismo gastronômico na França e assim por diante. Em todos esses e em outros casos semelhantes, a cultura aparece como um recurso relevante para dinamizar o crescimento econômico. Mas não haveria um limiar abaixo do qual esse processo estaria dificultado ou mesmo bloqueado?

Mesmo em países de renda média, como o Brasil, parte significativa da sua economia cultural está concentrada nas cidades que reúnem também as populações com maiores rendas e escolaridades, como Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília ou Belo Horizonte. Eu mesmo já apresentei aqui no blog o resultado de uma regressão correlacionando índices de participação esportiva e de desenvolvimento humano nas capitais brasileiras. Quanto maiores os índices de desenvolvimento, maiores os graus de participação esportiva. Não se registra a mesma dinâmica em regiões mais empobrecidas.


De maneira mais geral, conclusões de Barbara Paglioto e de Ana Flávia Machado, minhas colegas na UFMG, elaboradas a partir de dados da Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE de 2003 e 2009, mostram como o consumo cultural do país estava concentrado em apenas cerca de 27% dos domicílios mais ricos naquele período. Se o item considerado fosse gasto com cultura fora de casa, eliminando da equação a aquisição de equipamentos eletrônicos e enfatizando a compra de ingressos para espetáculos, por exemplo, o percentual de domicílios que registravam tais gastos era ainda menor: apenas 10%. Nesse contexto, as pesquisadoras então calcularam que a elevação de apenas 1% na renda per capita aumentava em mais de 4% a probabilidade de gastar com cultura.


Esses fortes vínculos entre renda e consumo cultural parecem reforçar a intuição de Keynes, para quem a prosperidade econômica ou as “inflações de lucro”, conforme ele escrevera em 1930, constituem a mais facilitadora das atmosferas para o surgimento de artistas. Dito de outro modo, a cultura é uma consequência do desenvolvimento econômico, não a sua causa.

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