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DESAFIOS E OPORTUNIDADES DO NOVO MERCADO FITNESS

Foto do escritor: Cleber DiasCleber Dias

Cleber Dias



A expansão do mercado fitness no Brasil iniciou por volta das décadas de 1960 e 1970. Nessa época, a ampliação da classe média como resultado da intensa urbanização, da industrialização e do crescimento econômico do país ativou um novo mercado de consumo de produtos e serviços não essenciais, tais como restaurantes, salões de beleza, agências de turismo e também academias de ginástica e musculação, entre vários outros. No entanto, foi apenas por volta das décadas de 1980 e 1990 que os contornos desse mercado se cristalizaram. Em 1987, a formação de professores de educação física foi pela primeira vez dividida em bacharelado e licenciatura. Até então, todos os estudantes de educação física titulavam-se por meio das “licenciaturas plenas”, que incluíam a preparação para atuação em escolas, mas também em ginásios, clubes e academias. Uma das principais justificativas para a mudança esteve, justamente, na elevação da demanda por serviços desses profissionais, sobretudo no mercado de oferta de atividades para o treinamento físico, o que criava novas oportunidades para uma atuação e uma formação mais especializada


Recentemente, porém, tal como outros setores, o mercado fitness tem sido impactado por várias transformações. Uma das mais importantes, segundo percepção de muitos que atuam no setor, seria o surgimento das “academias de baixo custo”. Várias opiniões destacam o surgimento desse modelo como principal responsável pela redução de empregos, pela precarização das condições de trabalho, pelo achatamento dos rendimentos, pela redução de lucros e logo pela falência de pequenas academias.


A maior rede brasileira nesse segmento das “academias de baixo custo” é a Smart Fit. Criada em 2009, atualmente a Smart Fit conta mais de 600 unidades no país e quase 1,5 milhão de clientes, sem mencionar academias e consumidores em outros 12 países.


A classificação da Smart Fit como uma rede de “academias de baixo custo”, no entanto, pode ser controversa. O preço habitual das mensalidades cobradas na Smart Fit equivale a cerca de 4% do rendimento médio dos brasileiros. Para efeitos de comparação, na maior rede de academias de baixo custo dos Estados Unidos – a Planet Fitness – os preços cobrados equivalem a apenas 0,3% da renda média daquele país. O contraste evidencia que os preços praticados no Brasil, mesmo em uma grande rede de academias que se apresenta e é tomada pelos concorrentes como sendo de “baixo custo”, são ainda relativamente altos.


Apesar dessas ponderações, parece certo que o novo modelo de negócios praticado pela Smart Fit e por outras redes de academias semelhantes pode estar direta ou indiretamente relacionado com o sentimento de crise que afeta o setor. No novo modelo inaugurado pelas “academias de baixo custo”, a ênfase do funcionamento de um estabelecimento fitness está mais na infraestrutura e nas conveniências do que no serviço de orientação de profissionais. Além disso, essas novas academias são agora planejadas por arquitetos, ao invés de serem improvisadas ao gosto do proprietário, o que vai revelando, ao lado de muitas outras medidas, a consolidação de uma crescente profissionalização gerencial no mercado fitness do Brasil, intensificando a concorrência no setor.


Outro aspecto menos enfatizado nos discursos de profissionais e empresários, mas que é parte relevante das transformações em curso, é o surgimento de novas tecnologias que permitem o ganho de escala na oferta de serviços de treinamento físico. Com o uso de plataformas digitais, aulas gravadas em vídeo e inteligência artificial, um único profissional de educação física pode agora oferecer seus serviços para número muitíssimo maior de consumidores. Novas tecnologias de comunicação têm subvertido mesmo antigo entendimento de que o setor de serviços não era suscetível a ganhos de escala. Nas novas condições, alguns profissionais de educação física prestam seus serviços de assessoria, orientação ou prescrição de exercícios para centenas e às vezes até milhares de pessoas.


Note-se que objeções ao formato de “academias de baixo custo” ou ao uso de dispositivos eletrônicos para oferta de serviços de condicionamento físico geralmente vêm de profissionais da educação física, não de consumidores. Profissionais temem e queixam-se dos riscos – que podem ser reais – de destruição de postos de trabalho. Consumidores, contudo, diferente dos profissionais, parecem aprovar essas inovações, como se nota na adesão mais ou menos entusiasmada e no espantoso ritmo de crescimento desses novos negócios. A Smart Fit, por exemplo, apresenta-se atualmente como a rede de academias que mais se expandiu mundialmente nos últimos cinco anos. Em 2019, antes da pandemia, a empresa inaugurava uma nova academia a cada 16 horas.


Os problemas fundamentais do mercado fitness, portanto, residem na natureza das transformações em curso e na intensificação da concorrência nesse setor.


A concorrência aumentou em pelo menos duas frentes: no número de academias e também no número de profissionais que atuam no setor. O número de academias no Brasil passou de cerca de 20 mil no ano 2000, para pouco mais de 34 mil em 2020, num crescimento de 70% no período. Já o número de profissionais formalmente ocupados no setor da educação física aumentou quase 200% no mesmo período. Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho, eram cerca de 20 mil pessoas formalmente ocupadas como profissionais de educação física em 2003 e cerca de 60 mil em 2020.

Fontes: Relação Anual de Informações Sociais; Síntese de Indicadores Sociais (IBGE); Lamartine P. Dacosta. Cenário de tendências gerais dos esportes e atividades físicas no Brasil. In: Lamartine P. Dacosta (org.). Atlas do Esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005, p. 825-838; IHRSA publica dados do mercado mundial do fitness. Revista Acad Brasil, ano 20, n. 82, agosto 2018, p. 10-17.


Essas expansões do número de academias e dos profissionais de educação física estiveram bastante acima do crescimento populacional, que foi de apenas 26% (eram 172 milhões de habitantes em 2000 e 216 milhões em 2020). Comparado, portanto, com o tamanho da população, o mercado fitness, medido sobretudo pelo número de academias, ampliou-se quase 3 vezes mais. Havia disponibilidade de uma academia para 8.600 brasileiros em 2000 e cerca de uma para 6.300 em 2020. Do mesmo modo, com relação aos trabalhadores, havia cerca de um profissional de educação física formalmente ocupado ante 8.600 brasileiros em 2000 e um para 3.600 em 2020. Em ambos os casos, a razão entre o número de academias ou profissionais e o tamanho da população brasileira indica, uma vez mais, que o consumo desses serviços cresceu bastante no período.


Diferente do que sugerem as percepções de crise que se ouve entre alguns agentes do setor, todos esses números indicam claramente uma expansão acentuada desse mercado. Inovações nos modelos de negócios das academias e novos dispositivos digitais para oferta à distância de serviços de condicionamento físico viabilizaram a inclusão de mais consumidores no mercado fitness. A inovação gerencial e organizacional de novas academias não necessariamente substituiu as velhas (embora possa tê-lo feito eventualmente). Mais que isso, esse processo criou novos mercados através da expansão da base de consumidores desses serviços. A demanda mais tradicional pelo consumo de serviços de assessoria esportiva e treinamento físico não desapareceu, mesmo diante da expansão de academias que não enfatizam esses aspectos. Ao contrário, a demanda por serviços desse tipo pode inclusive ter aumentado, como sugerem os números relativos aos profissionais de educação física formalmente ocupados no setor.


Até onde os dados disponíveis permitem concluir, portanto, o surgimento de novos modelos de negócios no mercado fitness não coincidiu com a diminuição de postos de trabalho nesse setor, antes o contrário. A intensificação da concorrência e as transformações tecnológicas têm correspondido, até agora, a um crescimento das oportunidades de trabalho para profissionais de educação física, apesar de as novas academias adotarem um modelo que demande menos funcionários e das novas tecnologias favorecerem a concentração econômica.


Não obstante, profissionais de educação física sentem na pele as dificuldades. Os preços dos serviços e consequentemente também de alguns trabalhos têm de fato diminuído. Trata-se de parte de uma tendência mais geral que o economista norte-americano Jeremy Rifkin chamou de “sociedade do custo marginal próximo de zero”. Segundo ele argumenta, inovações tecnológicas têm aumentado a produtividade de forma tão grande e exponencial que a fabricação e distribuição de vários produtos materiais ou imateriais tornou-se muitíssimo barata, quase gratuita, com efeitos profundos sobre a organização dos mercados de trabalho e da própria economia como um todo. Assim, a redução dos preços ou a oferta de produtos e serviços a baixo custo aparece como a consequência de transformações tecnológicas mais estruturais que possivelmente não serão refreadas. Não por acaso, coerente com esse diagnóstico, insinua-se cada vez mais evidentemente no horizonte de reflexões sobre as tendências econômicas para o século 21 a noção de “crescimento sem emprego” (jobless growth).


No caso do mercado fitness brasileiro, mais especificamente, os rendimentos médios dos profissionais de educação física formalmente ocupados aumentaram abaixo do crescimento da renda média geral do país (64%, de um lado, contra 105%, de outro). De certo modo, o significativo crescimento do número de profissionais ocupados se deu às custas dos seus rendimentos. Geralmente desprovidos de ferramentas de inovação de processos e serviços, pequenos empreendedores desse setor concorrem entre si por meio da mera redução dos preços, incapazes de assimilar e tomar parte das transformações que afetam esse mercado. Frequentemente, têm sido e tendem a ser as primeiras vítimas da típica destruição criativa de processos inovadores.


Tudo isso coloca vários desafios para trabalhadores, empresários, pesquisadores e gestores públicos. Participar dessa nova economia e aproveitar oportunidades nesse mercado em expansão exige e exigirá cada vez mais conhecimentos, a fim de assegurar que os agentes envolvidos estejam capacitados para a inovação. O mercado fitness, afinal, também integra aquilo que vários analistas sociais têm chamado de economia do conhecimento. Assim, além dos já tradicionais conhecimentos sobre fisiologia e métodos de treinamento desportivo, que continuam muito importantes, profissionais de educação física precisam agora saber também sobre “benchmarking”, “machine learning”, “gestão de negócios”, “presença digital” e “customer experience” (ou tão somente “cx”, conforme jargão do mundo corporativo), entre várias outras coisas. Tudo isso e muito mais já está na boca e no cotidiano de profissionais que têm sobrevivido de forma bem-sucedida à selva do mercado.


Em uma visão otimista, devemos nos perguntar como disponibilizar esses e outros conhecimentos de modo a tentar ampliar o acesso a essas oportunidades? Em uma visão pessimista, devemos nos perguntar como disponibilizar tais conhecimentos de modo a tentar mitigar efeitos negativos da transição tecnológica que se desenrola diante de nossos olhos?


Todavia, apenas a tornar o caminho ainda mais difícil, mesmo em universidades brasileiras prestigiadas – supostamente a vanguarda do sistema de educação nacional – vários desses assuntos são ainda vistos como tabus. As universidades, contudo, especialmente àquelas nas fronteiras da pesquisa acadêmica, têm papel bastante importante em qualquer ecossistema de inovação, incluindo, obviamente, o mercado fitness. Nesse sentido, repensar agendas de pesquisa universitária, bem como os modos de comunicação de seus resultados para trabalhadores e empresários, assim como os obsoletos currículos de formação dos cursos de graduação em educação física – ainda presos ao século 20 – são tarefas urgentíssimas.


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