Atualmente, segundo dados do Ministério da Saúde, ao menos 45% das causas de mortes no Brasil são “doenças crônicas não transmissíveis”, chamadas também “doenças do estilo de vida” ou “doenças da prosperidade”. Em particular, destacam-se doenças cardiovasculares ou cerebrovasculares como AVC, infarto e insuficiência cardíaca (responsáveis por quase 30% do total de mortes no país). Estão também nessa mórbida lista diabetes, câncer, Alzheimer e outras demências, além de doenças pulmonares obstrutivas crônicas (o que exclui infecções).
Em números absolutos, essas doenças são responsáveis por cerca de meio milhão de mortes todos os anos no Brasil. Para dimensionar, as mortes por Covid mataram, em média, cerca de 673 mil pessoas por ano entre 2021 e 2023 (os anos com maiores números de mortes por Covid). Assim, as doenças crônicas não transmissíveis se assemelham a uma pandemia, com as diferenças que as mortes e os sofrimentos causados por essas doenças já fazem parte da nossa rotina e talvez por isso recebam menos publicidade.
Outro aspecto importantíssimo dessas doenças crônicas não transmissíveis é que elas são evitáveis. Além disso, igualmente importante, tanto o tratamento quanto a prevenção dessas doenças têm na atividade física um dos seus pilares indispensáveis – ao lado da adoção de uma alimentação natural e de um estilo de vida mais saudável, incluindo, entre outras coisas, cuidados com o sono. A Educação Física, portanto, está no centro das preocupações sobre o tratamento, a prevenção e a promoção da saúde para o século 21.
Todavia, os profissionais de educação física estariam preparados para enfrentar esses atuais desafios de saúde pública? Naturalmente, esta pergunta também diz respeito às faculdades de educação física, onde afinal se formam os profissionais que atuam nesta área.
Um mero exame panorâmico da situação pode ser já bastante perturbador.
Geralmente, com algumas poucas exceções que talvez possam ser citadas, os currículos das faculdades de educação não contam com nenhuma disciplina sobre diabetes ou doenças metabólicas. Os profissionais dessa área, portanto, são formados sem estudarem a fundo os mecanismos dessas e de outras doenças crônicas não transmissíveis. Tampouco se estuda os métodos de treinamentos mais adequados para se lhe dar com essa e todas as outras doenças crônicas não transmissíveis. Mais surpreendente ainda, mesmo assuntos como emagrecimento, obesidade ou hipertrofia, que pareceriam óbvios para esta área de atuação, raramente dispõem de disciplinas especialmente dedicadas a esses tópicos, que de fato quase não aparecem nas grades curriculares das faculdades de educação física.
Com sorte, ao longo dos 4 anos que permanecem nas faculdades, talvez esses profissionais tenham assistido algumas aulas sobre esses assuntos, mas quase nunca puderam contar com uma ou mais disciplinas inteiramente dedicadas a isso. Seus conhecimentos a esse respeito, portanto, tendem a ser fragmentados e superficiais, o que priva a população de uma orientação mais qualificada, ao mesmo tempo em que dificulta o processo de valorização social desses profissionais.
Dada a gravidade e o amplo alcance dessas doenças crônicas não transmissíveis, seria desejável que as faculdades de educação física oferecessem aos seus alunos ao menos um semestre letivo inteiramente dedicado às cardiopatias, envolvendo desde o estudo da sua fisiologia e da sua bioquímica nutricional, chegando até ao treinamento esportivo aplicado à essas doenças. Estágios especialmente voltados a essa área, fossem em clubes de corrida ou outras modalidades de treinamento aeróbico, fossem em centros de reabilitação cardíaca, obviamente também deveriam fazer parte desse novo cardápio.
Do mesmo modo, parece bastante evidente que um outro semestre letivo inteiramente dedicado às doenças metabólicas deveria fazer parte de um programa de formação em educação física que se quisesse compatível com as necessidades sociais do século 21, o que bem deveria envolver também estágios em clínicas de emagrecimento ou outras iniciativas do gênero. Nada menos que metade da população mundial está acima do peso ou obesa (percentual que está em cerca de 57% no Brasil). Diante desses números e da importância da atividade física com relação à obesidade, chega a ser assombroso que muitas faculdades de educação física - quase todas na verdade - não contem com projetos de ensino, pesquisa e extensão voltados a esse assunto.
O mesmo poderia ser dito com relação ao envelhecimento ou a hipertrofia, dada a transição demográfica que se processa agora mesmo no Brasil, bem como a importância, cada vez mais enfatizada, da força muscular e da hipertrofia para a saúde geral.
Considerando ainda as profundas relações já solidamente estabelecidas na literatura científica disponível entre a atividade física, alimentação e saúde mental, é espantoso também o pouco espaço de que gozam a nutrição e a neurociência nas faculdades de educação física.
Para onde quer se olhe, em suma, tudo parece está por ser feito.
Qualquer que seja o arranjo a ser adotado, já é bastante claro que uma revolução deve ser realizada nos obsoletos currículos das faculdades de educação física. Se o vocabulário revolucionário soar demasiado progressista aos ouvidos usualmente tão conservadores dos círculos da educação física, façamos então um giro de 180 graus. Se mesmo isso parecer excessivo, apelemos então a analogias esportivas, processando viradas olímpicas ou saltos duplos mortais, como queiram. Importa que mudanças drásticas sejam operadas, de modo a se despojar e colocar do avesso os velhos paradigmas que ainda insistem em orientar a formação em educação física.
Trata-se de um processo por certo difícil e quase com certeza doloroso. Escolhas, afinal, sempre implicam renúncias. Assim, assuntos relevantes e já solidamente estabelecidos no âmbito das faculdades de educação física possivelmente terão que ser abandonados, em favor de outros novos e mais atuais. Tudo isso é delicado e aflitivo, mas também urgente e inadiável. Já estamos 10 ou 20 anos atrasados.
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