Cleber Dias
O críquete é considerado o jogo mais difícil do mundo. Conforme se diz, o esporte não tem regras, tem leis. No formato mais clássico, chamado muito reveladoramente de “first-class” (primeira classe), partidas podem durar até cinco dias. Apesar disso ou talvez por isso, o jogo ganhou o mundo. Alguns países, especialmente os que tiveram colonização inglesa, têm no críquete um dos seus esportes preferidos. A Índia é um caso especialmente notável de assimilação do gosto pelo críquete.
Todavia, a ênfase na natureza tradicional e contida do esporte acaba por imprimir-lhe um ar aristocrático e exclusivo. Jogadores vestem uniformes brancos, como os tenistas de Wimbledon, e disputam suas partidas diante de uma plateia silenciosa e comedida, nisso também lembrando as partidas de tênis. Além disso, o críquete não tinha dimensão comercial comparável à de outras modalidades. Jogadores profissionais de críquete geralmente tinham contratos com valores muito mais baixos do que os praticados em outros esportes. Apenas em 1970 realizou-se a primeira Copa do Mundo de críquete. Realizada na Inglaterra, tida como pátria mãe do jogo, a competição foi vencida pelas Índias Ocidentais, que venceram também a edição seguinte, revelando já o alcance global do esporte. Apesar da difusão global, até 1987, todas as edições da Copa do Mundo de críquete foram sediadas na Inglaterra, quando só então a Índia foi sede dos jogos.
Apesar do relativo sucesso das competições internacionais, na Inglaterra, o esporte perdia espectadores. Uma rede de TV contratou um consultor para conduzir uma pesquisa, a fim de encontrar as razões da perda de interesse do público, além de buscar alternativas para o processo. Segundo conclusão de Stuart Robertson, o consultor contratado para a pesquisa, "o críquete era inacessível, um esporte de bacanas". Ele sugeriu mudanças nas regras e no formato para tornar o jogo mais compatível com o gosto popular, tais como reduzir o tempo de duração das partidas. Os elegantes senhores do International Cricket Council, a entidade que comanda o esporte, não gostaram nem um pouco daquelas ideias. O críquete não tem regras, tem leis, tentaram explicar a Stuart Robertson.
Paralelamente e como alternativa às intransponíveis barreiras impostas pelo Conselho Internacional de Críquete, em 2003, foi criado uma nova modalidade do esporte, mais curta, chamada Twenty-20 ou simplesmente T20. Ao invés dos cinco dias das partidas tradicionais, o novo jogo pretendia ser realizado em até três horas. O tempo mais curto favorece não apenas a transmissão televisiva, mas o consumo do espetáculo por quem não tem tempo de sobra e não pode dedicar cinco dias ou seis horas ininterruptas para assistir uma partida de críquete, enquanto come brioches e faz elegantes piqueniques. Dois anos depois, em 2005, realizou-se primeira partida internacional desta nova modalidade, em um jogo entre as seleções da Nova Zelândia e da Austrália. Em 2007, houve já uma Copa do Mundo da modalidade, realizada na África do Sul, onde a Índia venceu. Mas o mais importante para o que queremos destacar viria pouco depois.
Em 2008 foi criada a Indian Premier League, desde o início pensada em formatos acentuadamente comerciais, onde equipes são franquias e buscam forte apelo popular. Algumas dessas franquias são de propriedade de famosos atores do cinema indiano, que atuam também como diretores e garotos-propaganda de seus próprios times. Para não deixar dúvidas sobre os propósitos comerciais da Indian Premier League, a temporada anual começa com um leilão de jogadores. Como parte da estratégia publicitária das franquias, as equipes têm hino, como vários times de futebol, mas também videoclipes. Logo, partidas de críquete da Indian Premier League começaram a ser transmitidas pela televisão como filmes de Bollywood, com três horas de duração, com intervalo no meio e atravessado por muita música e dança. Segundo opinião de um famoso jogador de críquete, "entretenimento é o segredo".
O T20 e especialmente o modelo de negócios estabelecido pela Indian Premier League, com seu formato dinâmico e suas partidas entremeadas por espetáculos de música, dança e shows de raios de laser, é agora uma espécie de commodity global. Tornou-se literalmente um produto cultural de exportação indiano.
No Brasil, alguns acreditam que a transformação dos clubes de futebol em empresas guarda potencial semelhante. Eles estão enganados, todavia. Conforme ensina o economista norte-americano Stefan Szymanski e nos lembra a trajetória da maioria esmagadora dos clubes ao redor do mundo, sejam ou não empresas, o futebol, por uma série variada de razões, é uma atividade que tende ao prejuízo. Isto não implica, porém, que os esportes, em geral, sigam a mesma regra, como prova a Indian Premier League. No Brasil, nós temos já um exemplo mais adequado do potencial de os esportes gerarem crescimento e prosperidade econômica. O exemplo vem das favelas do Nordeste e seu nome é "1 pra 1".
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