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ESQUEMA TÁTICO DISTRIBUTIVO

Foto do escritor: Wecisley RibeiroWecisley Ribeiro

Wecisley Ribeiro do Espírito Santo


A gestão de times supõe duas tarefas incontornáveis e dramáticas. Por um lado, é necessário conseguir que integrantes mais hábeis renunciem ao monopólio do protagonismo. Como veremos esta redução do espaço de ação individual não diminui o desempenho dos talentos; antes o dota de eficiência. Trata-se também, por outro lado, de reunir condições para que o restante da equipe tome decisões estratégicas em sinergia, de modo a desenvolver seus potenciais e incrementar a eficácia coletiva.


Os obstáculos que importa transpor na direção destes fins são tríplices. Quais sejam, a vaidade de quem se adianta no domínio das habilidades, o ressentimento de quem está atrás nos mesmos quesitos e as fissuras do grupo, que podem se abrir em qualquer ponto do tecido social, conforme o jogo das afinidades e das rivalidades internas. Testemunhamos nisto três fenômenos antropológicos regulares, registrados invariavelmente pelas pesquisas sociais. Antes, pois, de perscrutar as vacinas que a humanidade sintetizou para esta pandemia da rivalidade, precisamos estudar sua dinâmica e etiologia.


O melhor diagnóstico, a meu ver foi elaborado por Gilles Deleuze e Félix Guattarri: a mente humana produz segmentações em série, fazendo do contínuo um aglomerado de feixes discretos. Até que ponto a elaboração de grandes segmentos é necessária constitui questão em aberto, a exigir muita pesquisa adicional. Encontra-se hoje sob suspeita a existência substantiva das “Sociedades”, “Culturas” e “Nações” – todas assim mesmo, com maiúsculas, posto que referidas a coletividades supostamente homogêneas o suficiente para reunirem-se sob a mesma rubrica. Estas macro-classificações são chamadas pelos dois filósofos franceses de “segmentações molares” e têm sido contestadas pela antropologia pós-social.


O problema de que se ocupa este texto, entretanto, se refere aos processos de “segmentação molecular” – que fraturam internamente as coletividades molares, dentre as quais, os times. Ora, a gestão eficaz consiste precisamente em mitigar estes processos de fragmentação interna. Na insegurança e na fragilidade da vida humana residem as chaves para a compreensão do vasto conjunto de causas dos conflitos responsáveis pela corrosão da coesão social das equipes. Conforme vimos, o “nós” é sinédoque do “eu” e lhe oferece uma proteção coletiva, mitigadora da vulnerabilidade individual. Isto expressa a estratégia distributiva da adaptação biológica que também já tivemos ocasião de apreciar. O medo é amiúde individual, mas a seguridade é coletiva. Eis porque o apreço do grupo é valor tão urgente na agenda existencial da maioria dos seres humanos.


Como se pode depreender da obra de Pierre Bourdieu, há sempre um capital específico em cada equipe, cuja posse franqueia uma sólida sensação de pertencimento. Trata-se das habilidades e competências necessárias à realização das atividades fins daquele time. Como a distribuição deste capital específico dificilmente é equitativa, o duplo drama do gestor se instala – de um lado, a vaidade de quem o concentra; de outro, o ressentimento de quem dele se encontra privado. Em todo caso, os conflitos daí decorrentes mostram-se agora em sua causa primária: o anelo pela estima do coletivo. E defrontamos ipso facto o imunizante de que deve se valer o gestor da equipe, a saber, a adoção de um esquema tático distributivo. Uma estratégia assim estruturada evita a valorização desmedida do talento, a um só tempo, semeando o germe de seu desenvolvimento entre quem dele necessita.


O chamado equilíbrio de Nash consiste em um modelo formal em que o melhor para o grupo ocorre quando cada um de seus integrantes faz o melhor para si e para o grupo. A maioria das críticas que esta formulação recebeu diz respeito à dificuldade de sua aplicação substantiva à vida social. Este problema decorre da perseguição individual dos próprios interesses – por sua vez, relacionada à aquisição do capital específico como meio de lograr a estima do grupo. E, no entanto, contamos com evidências empíricas muito robustas da existência de pelo menos um esquema tático capaz de instituir estruturalmente a distribuição das ações eficientes por todo o time. Trata-se do triângulo ofensivo, que assegurou seis títulos da NBA ao Chicago Bulls e cinco ao Los Angeles Lakers, ambos sob a regência de Phil Jackson. Nash formalizou a teoria dos jogos; Jackson a realizou na prática.


O triângulo ofensivo foi sistematizado no final dos anos 1940 pelo treinador da Universidade do Sul da Califórnia, Sam Barry. Um dos seus atletas, Tex Winter, tornou-se assistente técnico do Chicago Bulls em 1985, unindo-se a Phil Jackson a partir de 1989 na aplicação do sistema mais vitorioso da NBA. Nele os jogadores devem desempenhar funções variadas que exigem flexibilidade cognitiva, motora e comportamental, reduzindo o espaço da especialização das posições. Os cinco jogadores devem atacar a cesta de modo coordenado, movimentando-se sem a bola a fim de criar muitas opções de passe. A leitura da defesa é, por conseguinte, fundamental para todos em quadra e não apenas para o armador, conforme frequentemente ocorre. As possibilidades de triangulação da bola se constituem a partir da ocupação dos interstícios deixados pelo posicionamento dos defensores. De modo que a movimentação dos jogadores por todas as posições é permanente. A separação entre protagonistas e coadjuvantes é abolida, ao que se segue a secundarização da jogada individual.


No triângulo os vértices operam como mediadores entre segmentos moleculares. Um hexágono – figura que a natureza inventou para estocagem eficiente de energia, conforme atesta a infraestrutura material da economia perfeita das abelhas, o favo de mel – se compõe pelo concerto de seis triângulos. A triangulação é a estratégia eficaz de aproveitamento da segmentaridade molecular para fortalecimento da coesão molar.


Vimos a teoria formal de Nash; há, por outro lado, três princípios integradores das economias humanas, registrados pela pesquisa empírica: a troca de mercado, a reciprocidade e a redistribuição centralizada. Karl Polanyi, primeiro a sistematizar os três conceitos, reconheceu cedo que economias reais podem operar por meio da combinação entre eles. A dinâmica reconhecida pela antropologia como reciprocidade assimétrica pode operar na gestão de equipes à guisa de meio termo entre a reciprocidade simples (situação fictícia em que todos os integrantes ofertariam ao grupo as mesmas habilidades) e a redistribuição centralizada (em que os mais talentosos ocupam vértices distributivos, que atuam como pontos de interseção entre múltiplos triângulos).


A ideia de uma vacina contra a fragmentação do time se aplica bem ao triângulo ofensivo porque condiz com o princípio hipocrático de fazer do agente patogênico fator de cura. Aqui as segmentações moleculares são convertidas em módulos operacionais triangulares, que se comunicam com outros módulos triangulares por intermédio de vértices compartilhados. Os diagramas que encabeçam este texto constituem uma tentativa de representar graficamente este imunizante das rivalidades intra-grupais sintetizado por Sam Berry e testado com êxito irrefutável por Tex Winter e Phil Jackson. As imagens a e b foram reproduzidas do artigo de Mukherjee e sua equipe. Elas representam respectivamente padrões assimétricos de interações entre jogadores conforme suas afinidades espontâneas (onde a espessura das linhas se correlaciona com a frequência de passes de bola) e as habilidades individuais (diferenciadas por cores). A imagem c constitui acréscimo meu e representa a triangulação instituinte de uma redistribuição por reciprocidade assimétrica em que os integrantes mais talentosos do time (representados pela estrela azul) ocupam vértices de interseções com múltiplos triângulos constituídos pelos demais integrantes. Embora o triângulo ofensivo tenha sido gestado no Basquetebol, que opera com cinco jogadores, a imagem esquematiza a interação entre sete integrantes de um time, a fim de ilustrar a forma perfeita do hexágono.


Pode-se supor que a distribuição centralizada da bola por reciprocidade assimétrica a partir dos jogadores mais talentosos consiste em uma estratégia pouco eficiente, de vez que intuitivamente se pressupõe que a eficácia coletiva deriva do máximo aproveitamento dos talentos individuais. A verdade neste caso, contudo, é contra-intuitiva. A elevação da eficiência da equipe é uma decorrência de pelo menos dois fatores. 1- Do empoderamento de todos os seus integrantes. A expressão foi empregada pelo ex-jogador brasileiro e hoje treinador, Marcos Beegu Mendes, que foi também revisor técnico das traduções para o português dos livros de Phil Jackson, com o qual trabalhou. Ambos desenvolveram relações recíprocas de amizade, baseadas em densas reflexões filosóficas a partir do Basquetebol. 2- Da mitigação da lei do declínio da eficiência na razão inversa do uso. Segundo este princípio, quanto mais arremessos disparados por um mesmo jogador, tanto mais baixo será seu percentual de aproveitamento. A depleção dos substratos energéticos, o cansaço, bem como a saciedade dos anseios motivacionais realizada a cada acerto, constituem algumas variáveis intervenientes na lei do declínio de eficiência. Conforme este princípio, a situação ideal para o máximo aproveitamento dos talentos individuais se realiza quando a bola é distribuída na proporção de 20% para cada jogador em atuação – equilíbrio ótimo que a um só tempo empodera o coletivo e potencializa as habilidades mais exuberantes.


A natureza inventou a estratégia distribuída da adaptação, do que o espírito de colméia dos insetos sociais constitui dos melhores exemplos. Cabe-nos o trabalho de descobrir os princípios passíveis de serem aproveitados em táticas de gestão consonantes com estas leis biológicas. Sam Berry, Tex Winter e Phil Jackson cooperaram na demonstração de sua aplicabilidade no terreno das condutas humanas – trabalho ativo e imprescindível, visto que nenhum modelo é auto-aplicado pela ação de uma mão invisível, mas demanda intencionalidade educativa. Como disse o próprio Jackson, “nada disso foi feito da noite para o dia, pois a maioria de nós precisa de alguns anos para despertar a conexão entre si mesmo e os outros”. Pessoas de gênio como ele se ajustam à lei da eficiência decrescente dos talentos individuais e distribuem à sua volta oportunidades equitativas de desenvolvimento. De resto, os princípios lógicos do esquema tático distributivo recapitulam uma máxima enunciada há cerca de dois mil anos que muito nos teria poupado em conflitos sociais se considerada em sua devida gravidade: “quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado”.

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