LAZER, SAÚDE E ENVELHECIMENTO
- Wecisley Ribeiro
- 26 de out. de 2020
- 4 min de leitura
Wecisley Ribeiro do Espírito Santo
O fenômeno do envelhecimento é um tema chave para a reflexão sobre os modos de vida predominantes no mundo contemporâneo. Dispomos hoje de condições sociais, físicas e psíquicas para envelhecer felizes e saudáveis? As condições para promoção da saúde e uso ativo do lazer, durante a velhice, estão distribuídas democraticamente?
Do ponto de vista das condições orgânicas há algumas excelentes notícias! A treinabilidade do corpo humano, ao contrário, por exemplo, da flexibilidade, não deteriora com o envelhecimento. Em outras palavras, o exercício físico continuado provoca adaptações metabólicas crônicas que melhoram força, resistência aeróbica, resistência muscular, potência muscular, agilidade, coordenação motora e até a flexibilidade (valência física mais sacrificada com o passar do tempo), em qualquer idade. O papel destas qualidades físicas na melhoria da qualidade de vida da pessoa idosa é incontestável.
Há, entretanto, condições necessárias para a adesão a um programa de exercícios físicos. No nível mais elementar, a desigualdade de renda impõe uma distribuição assimétrica dos alimentos saudáveis. E não apenas dos alimentos em si, mas também das condições sociais e econômicas para o acesso à educação nutricional. Conforme demonstrou Luc Boltanski, no livro “As classes sociais e o corpo”, quanto mais se desce na escala socioeconômica, tanto mais predominantes são os carboidratos de cadeia molecular simples e as gorduras, em prejuízo das proteínas, fibras, sais minerais e complexos vitamínicos. Estas diferenças de dieta entre ricos, classe média e pobres não se explica apenas pelo preço dos alimentos saudáveis – embora ele seja obviamente determinante. Ela também decorre de estados subjetivos que resultam da escassez ou da abundância. No primeiro caso, a atenção humana tende inconscientemente a buscar alimentos ricos em calorias, exatamente como opera o metabolismo sob condições de nutrição insuficiente, acumulando energia no tecido adiposo. No segundo, a variedade de gêneros alimentares enseja a possibilidade de selecionar uma dieta nutritiva.
Mas a adoção do lazer ativo, durante a velhice, encontra obstáculos mais difíceis de transpor que a nutrição inadequada. Nas sociedades ocidentais contemporâneas os estímulos à vida ativa são proporcionais à juventude. Às gradativas evidências corporais de envelhecimento correspondem também crescentes censuras veladas a certos hábitos salutares. E a própria aceitação pública do envelhecimento é desigualmente autorizada.
Em “O duplo padrão do envelhecimento” Susan Sontag denuncia o tratamento público desigual conferido a mulheres e homens, ao longo do processo natural de transformações decorrentes do amadurecimento orgânico. Cabelos grisalhos são tratados como marca de charme ou símbolo de sabedoria entre eles e evidência de descuido, entre elas. Mulheres são desautorizadas a se relacionar amorosamente com homens mais jovens, ao passo que o inverso é tratado com naturalidade. Uma busca por exemplos de casais, em ambos os casos, no Google Imagens pode surpreender quem julgue ser exagero de Sontag. A prática de sair sem companhia para dançar recebe o mesmo tratamento desigual, durante a velhice. O mesmo vale para patinar, pedalar, correr, andar de skate, nadar ou surfar.
Mas, para além das diferenças de gênero, a velhice é proscrita da vida social em sua quase integralidade. Norbert Elias descreveu, em “A solidão dos moribundos”, como o processo civilizador do ocidente adotou uma estratégia de distinção entre natureza animalizada e cultura humana. A sociedade civilizada seria aquela capaz de ocultar suas marcas de pertencimento ao reino animal. Disto decorre o isolamento social da pessoa idosa. Não se trata, pois, da ruptura dos vínculos sociais como mera decorrência da aposentadoria. Antes é a aversão ao espelho do futuro que leva a sociedade a isolar a velhice.
O filósofo Michel Mafesolli denominou juvenilismo os modos de vida que conferem um valor desproporcional à juventude. Esta visão de mundo não coloca problemas apenas para o lazer e a saúde da população idosa. Ela deteriora as próprias condições psíquicas dos jovens. O juvenilismo nos leva a uma concepção estreita e deturpada de estética corporal. Termina por nos fazer acreditar que fora da juventude não há beleza.
O juvenilismo leva adolescentes a se preocuparem com rugas. Estimula-os ao exagero do exercício físico, ao desprezo pelas leis de equilíbrio de volume e intensidade dos programas de treinamento, à desconsideração dos princípios da adaptação progressiva ao esforço, da continuidade, da recuperação com repouso. Essas atitudes, porém, não lhes franquearão corpos permanentemente jovens; apenas podem lhe oferecer a permanência das lesões crônicas.
O juvenilismo condena seu prisioneiro à uma demissão do paladar e da sensibilidade gastronômica! Receitas divinas e angelicais são negligenciadas em nome de suplementos e rações de proteína e carboidratos de cadeia complexa. As necessidades multivitamínicas do corpo são sacrificadas no altar da deidade estatística da hipertrofia – 55% de carboidrato, 15% de proteína 30% de lipídios.
Quando a combinação do treinamento extremo com a alimentação estreita alcança o resultado esperado, resta uma janela para a alma que compromete o ideal de beleza almejado. Esculturas de simetria muscular tão desejadas exibem assim olhares esvaziados da jovialidade (esta sim, potencialmente eterna) que apenas a intensidade afetiva com os outros pode produzir; alguma coisa vedada ao olhar egocentrado. Por fim, o envelhecimento inevitável levará a forma desejada do corpo, deixando o olhar deformado pela carência de amor que o preconceito geracional faz fermentar no coração.
O juvenilismo torna praticamente incontornáveis os problemas de saúde mental e afetiva! A luta contra o envelhecimento, como se sabe, não pode ser vencida! Ainda está por se fazer uma pesquisa que investigue as correlações entre a idolatria da juventude e o suicídio. E o isolamento social voluntário decorrente da baixa autoestima é provavelmente o mediador que conduz de um extremo a outro.
Nesse sentido, os aposentados jogadores de dominó e baralho das praças públicas, ao recusarem o ostracismo que a sociedade lhes quer impor, prestam duplo serviço. Eles não apenas levam a curso um modo cotidiano de resistência à opressão da juventude. Oferecem também uma abertura ao deletério cárcere juvenilista no qual a maior parte das pessoas se encerra voluntariamente. Eles estão lá, bem acomodados nos bancos da madureza, nos dando as cartas certas. Quanto antes entrarmos no jogo, mais felizes envelheceremos.
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