Recentemente, a escritora Eliane Brum divulgou artigo de opinião em sua coluna no jornal El País, comentando as atuais circunstâncias da política nacional, especialmente os desmandos de Bolsonaro. O artigo tem por título “O nojo” e pode ser acessado aqui. Basicamente, a escritora desfia os motivos que tornam o governo de Bolsonaro abjeto, para terminar conclamando seus leitores à ação.
Apesar das naturais simpatias que libelos desse tipo provocam em leitores de esquerda, existem ao menos duas possíveis críticas sérias a serem feitas ao artigo de Eliane Brum. Primeiro, todos que discordem do chamado dela à ação seriam inescapavelmente omissos, indiferentes ou cúmplices do Bolsonaro, num tipo de argumentação que poderíamos classificar como “falácia por associação” (o famoso “argumentum ad hominem”). Nesses termos, a única forma de escapar da condição omissa, indiferente ou de cumplicidade é obedecer à escritora.
Segundo, mais grave, o incitamento dela à ação, apesar de propor o uso dos “instrumentos da democracia” para tirar Bolsonaro do poder, na prática, corrompe os princípios do Estado de direito. Afinal, quais “instrumentos da democracia” seriam esses? Estão disponíveis? Podem ser utilizados dentro das normas constitucionais? Ela não diz. Ela fala apenas em “desobediência civil”, no que chamaríamos simplesmente de golpe, caso fosse tentado por grupos de direita.
Não há desobediência civil legítima diante do legítimo exercício do poder, seja do Chefe do Poder Executivo ou dos representantes do Poder Legislativo, por mais que os desaprovemos. Isto vale, portanto, para grupos de apoiadores e também de opositores. Para o bem e para o mal, democracia, o pior de todos os regimes, excetuando-se todos os outros, não é o equivalente da realização das nossas vontades. A julgar pelas influentes opiniões de Eliane Brum, 2016 não deixou muitas lições.
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