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O troféu do Mr. Olympia e a história do fisiculturismo

Foto do escritor: Cleber DiasCleber Dias

O mais cobiçado troféu esportivo do fisiculturismo é o do Mr. Olympia. O troféu é a estatueta de um homem equilibrando um grande halter em uma das mãos. O nome do homenzinho representado na estatueta é Eugene Sandow.

Quem foi este homem e porque uma estátua sua simboliza o maior triunfo esportivo do fisiculturismo?

Eugene Sandow nasceu em 1867, em Konigsburg, na Prússia Oriental, atualmente uma parte da Rússia e da Lituânia. Seu nome de batismo era Friedrich Mueller.

Na Prússia Oriental onde nasceu, o pequeno Friedrich Mueller começou a praticar a ginástica alemã. Justamente durante a infância e juventude de Friedrich Mueller, a Prússia se tornou parte do Império Alemão, criado em 1871, onde havia um forte movimento social em favor da ginástica, conhecido na época como “turnen”.

Quando tinha cerca de 20 anos, por volta de 1887, Friedrich Mueller mudou-se para a Inglaterra a fim de participar de competições de força, no que era um tipo de entretenimento bastante comum na época. Foi nesta época que Friedrich Mueller abandonou seu nome de batismo e adotou um outro que soasse melhor em inglês. Eugene Sandow foi o novo nome adotado. Esta seria apenas a primeira de muitas outras perspicazes jogadas publicitárias daquele prussiano oriental.

Eugene Sandow logo obteve algum destaque nesse circuito de entretenimentos, onde era comum também haver apresentações de lutas contra animais ou exibição de excentricidades corporais, como anões, mulheres com barba e coisas do tipo.

De acordo com os padrões da época, Eugene Sandow era mais um acrobata do que um atleta, mais um artista do que um esportista. Coerentemente, ele viajou com circos por diversos países da Europa, onde suas apresentações incluíam a sustentação do peso de três cavalos ou a realização de malabarismos e cambalhotas com halteres. Propagandas de suas apresentações exibiam-no levantando dois homens dentro de cestos apoiados em uma barra de ferro ou então desafiando leões.

Em 1889, Sandow parecia ter atingido o ápice da sua carreira de competidor em demonstrações de força, quando conquistou em Londres o título de “homem mais forte do mundo”.

Mas não foi por esta realização que Eugene Sandow entrou para a história do fisiculturismo. Houveram muitos homens mais fortes do mundo antes e depois dele. O que destacou Eugene Sandow dessa legião de homens mais fortes do mundo foi um conjunto de inovações que ele imprimiu ao espetáculo das exibições de força.

Em primeiro lugar, ele adotou uma sistemática campanha publicitária para essas apresentações, apelando sempre para mensagens que enfatizassem a sua dimensão espetacular e extraordinária. O objetivo era atrair a atenção e agradar ao gosto do público que buscava entretenimentos em teatros de variedades da época. Estima-se que suas apresentações tenham arrecadado mais de 250 mil dólares — o que era um valor muitíssimo significativo para a época.

Com os mesmos propósitos, Eugene Sandow promovia campanhas de arrecadação entre mulheres endinheiradas, oferecendo como contrapartida a possibilidade de apalpar seus músculos nos bastidores dos teatros após as exibições. Pode parecer banal para os dias de hoje, mas era algo quase inimaginável para os padrões morais do século 19.

Esse expediente mostrou-se bastante bem-sucedido, tanto que algumas apresentações de Eugene Sandow eram promovidas exclusivamente para mulheres. De maneira sutil, até para assegurar que fossem aceitas dentro dos padrões morais de respeitabilidade da época, havia certa sensualidade em suas apresentações e na torrente de imagens usualmente empregadas para promove-las.

Estudiosos do assunto têm assinalado o quanto fotografias de seminus a partir do final do século 19 exploravam dimensões artísticas da exposição de corpos a fim de dissimular a pornografia. Eugene Sandow, em particular, estivera envolto em muitas insinuações de homossexualidade, que era considerado crime na Inglaterra do período.

Relatos da época não deixam dúvida sobre a novidade que tudo isso representava, o que explica em grande medida o sucesso e também o assombro com que as pessoas olhavam para exibições físicas de Eugene Sandow. Se ainda hoje uma apresentação de fisiculturismo pode parecer exótica, imaginem há mais de 100 anos. Veja-se, por exemplo, o impressionado relato de uma apresentação de Eugene Sandow, conforme publicado em 1902 em um jornal da Austrália, para onde ele também viajou a fim de realizar suas apresentações:

“Ele se contraía e seus músculos se tornavam firme como aço. Sandow era um Hércules vivo. Os músculos eram exibidos primeiro em repouso e então em estado de tensão. Os músculos abdominais eram contraídos e produziam a maravilhosa aparência de um tabuleiro de xadrez. Sandow fez seus músculos literalmente dançarem”.

Outra novidade que ele introduziu em suas apresentações foi a utilização de uma cabine de vidro para realização de poses a fim de melhor exibir os músculos. Várias das poses atualmente adotadas nas competições de fisiculturismo foram inventadas ou consagradas por Sandow nas apresentações daquela época.

Além disso, Sandow também consagrou a utilização de acompanhamento musical para essas apresentações, o que na época exigia a contratação de uma orquestra de músicos, dado que o rádio, o gramofone ou quaisquer outros dispositivos para gravação mecânica de músicas não tinham sido inventados ainda.

Em conjunto, as novidades que Sandow apresentava no palco representaram uma transformação histórica sem precedentes nos padrões das antigas demonstrações de força. No formato inaugurado pelas apresentações de Sandow, o que estava em primeiro plano era a estética ao invés da força. Este é o verdadeiro significado das inovações promovidas por Sandow. Muito reveladoramente, Sandow logo deixou de ser promovido como “o homem mais forte do mundo”, para ser apresentado como “o homem mais harmonioso do mundo”.

Com o sucesso alcançado nestas apresentações, Sandow iniciou uma série de outros empreendimentos ligados ao treinamento físico. Em 1894 ele publicou o primeiro de vários livros em que ensinava técnicas de treinamento com pesos para aquisição de músculos. Foi em um desses livros que Sandow estabeleceu o termo “bodybuilding” — outra inovação atribuída a ele.

Em 1897 Sandow inaugurou em Londres seu primeiro ginásio para divulgar e difundir os benefícios do treinamento com pesos para a saúde. Nos anos seguintes ele abriria outros seis (cinco em Londres e um em Boston, nos Estados Unidos). Em 1911 ele fora nomeado “professor de cultura física científica” do rei George V.

Sandow também iniciou a fabricação de equipamentos para treinamento com pesos, que eram comercializados em vários países do mundo, incluindo o Brasil. Assim fechava-se uma espécie de círculo comercial completo que começava com a aclamação pública em circos ou teatros e terminava com a venda de livros e equipamentos para treinamento com pesos. No atual vocabulário do marketing e da publicidade, diríamos que Sandow estava criando a sua esteira de produtos em escala global, só que muito antes que se falasse de globalização.

Tendo em conta os conhecimentos disponíveis atualmente, as decisões de escrever livros ou inaugurar uma cadeia de ginásios para difundir métodos de treinamento físico com pesos pode parecer simples e até banal, mas não era. O consenso científico da medicina e da fisiologia daquela época não reconheciam o treinamento com pesos para o desenvolvimento muscular como medidas positivas para promoção da saúde. Isto só aconteceria por volta da década de 1950, no que é assunto para um próximo artigo. Foi por todas essas inovações que Eugene Sandow se tornou amplamente reconhecido como o pai do fisiculturismo, o que lhe rendou o lugar de símbolo maior no troféu do mais importante campeonato desse esporte.


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Cleber Dias é professor da Universidade Federal de Minas Gerais, onde coordena o Grupo de Pesquisa em História do Lazer (Hisla).

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