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POR QUE O EXÉRCITO BLINDOU PAZUELLO

Foto do escritor: Wecisley RibeiroWecisley Ribeiro


Wecisley Ribeiro do Espírito Santo


A Doutrina de Segurança Nacional, elaborada na Escola Superior de Guerra, nos ajuda a pensar como se atualizou no Brasil, de modo extremado, a característica metonímica da representação política de que fala Pierre Bourdieu. O representante, super-cidadão que representa a sociedade inteira, legitima a proeminência política de que é investido transubstanciando sua vontade particular na vontade de todos. Este fetichismo da delegação política ao representante é um fenômeno universal. No Brasil, contudo, a elite governante que a Escola Superior de Guerra pretendia formar, em poucas ocasiões de fato se interessou pelo desenvolvimento da nação.


Os objetivos particularistas da elite econômica, entretanto, são frequentemente travestidos de interesse geral. O que guarda relações com os valores escravocratas que persistem entre nós, junto com sua contrapartida complementar – a subserviência colonial frente à burguesia dos países desenvolvidos. O atributo da covardia cai bem aos que dominam o país; seja quando oprimem seus segmentos frágeis, seja quando se curvam à opressão do exterior. Se, na Escola Superior de Guerra, observa-se em parte de seus segmentos alguma preocupação nacionalista, nota-se desde o início a tutela do exterior – notadamente EUA. Durante a ditadura a ingerência estadunidense se evidencia pari passu ao crescimento econômico. De modo que coexistem com o avanço da produção industrial a concentração de renda e a redução da remuneração do trabalho.


Este caráter geral da burguesia brasileira e sua penetração nas forças armadas nos oferece um contexto para analisar os princípios da Doutrina de Segurança Nacional que expressam o binômio “segurança e desenvolvimento”. Vale de saída registrar a formulação do historiador Ricardo Antônio Souza Mendes para quem “Doutrina de Segurança Nacional não se apresentou com uma unidade de pensamento”. O debate entre “sorbonistas” – dispostos a ceder a abertura econômica ao capital internacional – e os “nacionalistas”, no interior da Escola Superior de Guerra, reflete o conflito entre as duas principais forças políticas do país. De um lado, o nacional desenvolvimentismo inaugurado por Vargas – cujo desfecho trágico decorre da arremetida do capital contra a valorização do trabalho e da produção nacional –, de outro, o liberalismo subserviente ao norte do planeta.


Os sorbonistas enunciavam não apenas o projeto de abertura econômica ao capital estrangeiro senão também a necessidade de combater a incapacidade do povo brasileiro decorrente de sua “mulatização” e “sifilização”. Nota-se, pois, as bases racistas, moralistas e elitistas do que Nelson Rodrigues denominou o “complexo de vira-latas”. De modo que os nexos históricos entre aquela subserviência colonial do empresariado brasileiro (e de seus representantes militares) frente ao capital internacional, por um lado, e sua mentalidade escravocrata, por outro, são genéticos.


Os nacionalistas da Doutrina de Segurança Nacional se alinharam inicialmente ao nacional-desenvolvimentismo, guardando mesmo relações de filiação política com o Tenentismo e a Coluna Prestes. E, no entanto, sabe-se que o assédio sorbonista esteve presente tanto na tentativa de impedir a posse de Juscelino Kubitschek, quanto na pressão conservadora que resultou no suicídio de Getúlio Vargas e ainda, naturalmente, no golpe militar contra João Goulart. Mesmo o crescimento econômico registrado durante a ditadura se processou à custa de pesada dívida pública em dólares e brutal aumento da desigualdade social.


Testemunhamos hoje as consequências nefastas desta simbiose entre indústria brasileira, capital internacional e militares. Relações densas de parentesco terminaram por vincular inextrincavelmente a caserna e a elite econômica. E a globalização financeira persuadiu grandes segmentos das instituições militares sobre as “vantagens” do projeto antipovo sob a regência de Paulo Guedes – quais sejam, uns poucos lugares no banquete do capital internacional para o oficialato e os rentistas nacionais (sic). De modo que os antigos nacionalistas das forças armadas brasileiras se encontram ora rasgando os princípios de desenvolvimento econômico da Escola Superior de Guerra.


Por seu turno, o combate ao comunismo assumiu proporção megalomaníaca e conspiratória. Esta ideia fixa do oficialato assenta-se em uma concepção elitista do mundo e da política, bem expressa no lema da Escola Superior de Guerra: “o mundo é das elites”. Nesse sentido, a Doutrina de Segurança Nacional caracterizará os governantes políticos do Brasil pré-ditadura (Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart) como “incapazes” de “organizar a nação brasileira” em decorrência de sua aproximação com a pauta de reivindicações populares, tais como a valorização do trabalho e as Reformas de Base; ambas equalizadas ao comunismo. Por outro lado, e de modo complementar, há que se considerar o espírito sorbonista (ou, nos termos rodrigueanos, viralatista) que subjaz a um alinhamento com os EUA, no contexto da Guerra Fria, em que qualquer direito concedido aos trabalhadores, por mínimo que fosse, era (e ainda é) tratado como avanço do comunismo.


Nota-se, por conseguinte, que os princípios da Doutrina de Segurança Nacional decorrem das mesmas disposições escravocratas da elite brasileira, em sua relação estreita com as forças armadas. De um lado, o desprezo pelos trabalhadores, descendentes dos escravos africanos, de outro, a subserviência ao imperialismo. O primeiro aspecto oferece terreno fértil para a caça às bruxas do comunismo, tão logo a questão social seja evocada na arena política brasileira; o segundo lança as bases para o avanço neoliberal a demolir os fundamentos do desenvolvimento industrial.


Não surpreende, pois, que o exército obedeça às ordens do presidente, blindando Pazuello. Seu nacionalismo sempre foi residual e incoerente. Não há nação sem povo; e não há povo onde poucos julgam possuir todo o resto por serviçais. Mais que um modelo econômico defasado, o neoliberalismo é a expressão teórica do espírito nobiliárquico-burguês dos poderosos do Brasil. Eles sabem não dispor de outra via, senão a vala fétida da reeleição. E sequer necessitam cobrir as narinas, de vez que o olfato já lhes foi anestesiado.

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