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POST SCRIPTUM AO TEXTO DE 11/07/2020

Foto do escritor: Wecisley RibeiroWecisley Ribeiro

Wecisley Ribeiro do Espírito Santo


Gastei uma boa parte do dia de ontem dialogando com leitores do texto “CIÊNCIA, RELIGIÃO E A QUESTÃO QUE HADDAD NÃO RESPONDEU” (confira aqui: https://www.temperancapolitica.com/post/ciência-religião-e-a-questão-que-haddad-não-respondeu). Confesso que o escândalo que ele causou superou em muito minhas expectativas, ainda que o objetivo, como sempre, fosse desestabilizar verdades prontas. Hoje pela manhã fui surpreendido com mensagens de uma dezena de amigos, evocando as falas do novo ministro da Educação, Milton Ribeiro, sobre a “vara da correção”.



O vídeo onde o pastor expressa sua opinião sobre educação familiar das crianças viralizou, desde que seu nome foi publicado no diário oficial da União, como novo líder da pasta, na sexta-feira última. Senti-me então motivado a redigir um pequeno post scriptum para expressar meu respeito e estima aos interlocutores.



De fato, são valores conservadores os enunciados nas falas veiculadas do ministro. Isso não surpreende, posto que a sociedade brasileira elegeu um governo conservador, em 2018. O fundo religioso também não é novidade. Uma das pernas do governo Bolsonaro compreende os segmentos evangélicos do país; a outra é miliciana-militar. Ambas são coordenadas por uma teologia belicosa, elaborada a partir da interpretação literal do Antigo Testamento.



Há machismo, sem dúvida! E há também uma interpretação descontextualizada da "vara da correção" no livro dos Provérbios. Justamente a interpretação literalista que critiquei e que corre livre porque a esquerda (ou ao menos os democratas) abandonou a disputa hermenêutica da Bíblia, deixando-a a cargo precisamente dos conservadores. O papa Francisco, Frei Betto, Frei David, Leonardo Boff, pastor Henrique Vieira, os falecidos Rubem Alves e Dom Helder Câmara, para citar apenas os mais conhecidos, são minoria, infelizmente!



O caso do novo ministro oferece, pois, oportunidade preciosa para aqueles que veem a desconstrução dos falsos profetas como tarefa histórica indispensável, e condição necessária à democratização da sociedade brasileira, nos unirmos aos defensores do Reino de Deus citados no parágrafo anterior. Vejamos a fala do pastor e o contexto completo. Ficará fácil com isso perceber que ele incorreu na interpretação literalista que critiquei.



Com base no capítulo 22 do livro dos Provérbios, Ribeiro afirma que a educação das crianças não será obtida por “meios justos e métodos suaves” (...) “deve haver rigor, desculpe! Severidade! E vou dar um passo a mais. Algumas mães talvez até fiquem com raiva de mim. Deve sentir dor!” Sua justificativa para tal enunciação reside no verso 15: “A estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da correção a afugentará dela”.



Mas quem assistir o sermão na íntegra, verá que o pregador não lê todo o capítulo 22, senão exclusivamente o verso citado. O livro dos Provérbios é talvez aquele que mais ilustra o que disse no texto de ontem sobre Dorothy Lee e a codificação não linear da realidade, por meio de padrões imagéticos carregados de sentido. O sentido desta pequena passagem em foco precisa ser interpretado a partir de pelo menos dois outros versículos do mesmo capítulo.



O termo “vara” aparece no verso 8 e no 15. Seu sentido metafórico fica explícito no primeiro deles: “O que semear a perversidade segará males; e com a vara da sua própria indignação será extinto”. Ora, fica claro que a “vara da própria indignação” não significa autoflagelo, mas o autoconsumo por um sentimento deletério. Vale dizer também que “indignação” aqui não é a política, mas se refere à prática de semear males. Há problemas específicos de tradução e transformação histórica da semântica aqui.



O verso 6, por seu turno, diz: “Educa a criança no caminho em que deve andar; e até quando envelhecer não se desviará dele”. O versículo 15 é, por conseguinte, o complemento do 6. A vara da correção à criança é a educação proposta no verso 6. E poderia perfeitamente ser equalizada com a produção social do superego freudiano, por meio da internalização do controle social das emoções, sob a forma de autocontrole, descrita por Norbert Elais em “O processo civilizador”.



Ler o verso 15 e silenciar sobre o 6 é estratégia para, nos termos de Deleuze, fazer um filho nas costas do autor e obrigá-lo a reconhecer a paternidade. Em outras palavras, este é um ótimo subterfúgio para proclamar uma visão de mundo conservadora a partir de escritos que não autorizam isso. É neste campo que vejo ser relevante disputar as narrativas. Só aqui, na Teologia, será possível oferecer uma alternativa religiosa aos pobres que precisam de um consolo.



A Bíblia oferece um objeto do maior interesse para os pobres, pelas razões que tentei expor no texto. Esta é a tese de fundo do filme O livro de Eli. Este postulado está também em Weber. A Bíblia nos oferece o melhor tema gerador freireano que existe! Ela é um atalho para a erudição (como sugeriu Mary Douglas, ela coloca o leitor em contato com o cerne da cultura ocidental), a formação reflexiva e hermenêutica, porque pode fomentar a aprendizagem significativa.



Há antecipações, na fala de Jesus, de achados científicos nos campos da Biologia, da Medicina, da Física, da Neurociência. O poder da fé é hoje reconhecido por uma vertente heterodoxa, na vanguarda da universidade. Ela se explica, por exemplo, com base na energia eletromagnética. Assim, é que no material sobre tumores avançados do Instituto Nacional do Câncer se pode ler o seguinte, na seção intitulada “Aspectos emocionais do câncer”:



"Há pelo menos mais três outras partes do ser: a mental, a emocional e a espiritual. Em nível mais sofisticado, ciência e espiritualidade tornam-se sinônimos. Um dos pilares mais basais, onde tudo se apoia, é a nossa consciência. Dessa forma, quando se diz ao paciente que não há esperança, deve-se mudar o modelo mental e a disposição. O futuro não é algo que se possa prever – é algo que se inventa. Não é alguma coisa que acontece – é algo que se faz. Dessa forma, o futuro ainda não existe, consequentemente não é previsível. Suas direções podem estar traçadas, mas nunca se pode esquecer que nelas pode-se intervir. (...) No futuro haverá uma medicina alternativa. A cura final do câncer pode bem estar na mente e no espírito e a última irradiação será dada pela própria consciência”. (INCA, s.d., p. 119-120, https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//seminario-radioterapia-capitulo-tres-tumores-avancados.pdf, acesso em 1/06/2020).



O ateísmo obsessivo da intelectualidade a leva a negligenciar estes resultados. Não por acaso, tenho uma colega de departamento que teve negada a validação de seu doutorado, em medicina integrativa pela Quantum University, dos EUA. Embora as evidências da hipótese ateísta a que fiz alusão não estejam disponíveis, os preconceitos religiosos da academia estão criando problemas para minha colega – cuja qualificação intelectual é reconhecida internacionalmente!



Os atos dos apóstolos oferecem um laboratório sociológico completo. E o Antigo Testamento é um painel exuberante do princípio da segmentaridade. Mary Douglas surfou nas interpretações antropológicas da Bíblia. Temos, pois, um mote para democratizar a ciência a partir da religiosidade popular. Mas a esquerda não enxerga isso. E prefere a crítica corrosiva, que corrói sua própria reputação junto aos pobres!




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