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Qual o futuro dos esportes no Brasil?

Foto do escritor: Cleber DiasCleber Dias

Sabemos já que voltará a existir no Brasil um Ministério dedicado aos esportes e que sua Ministra será Ana Moser, a ex-jogadora de vôlei. O que isso significa? Boas ou más notícias?


Ana Moser está há mais de 20 anos à frente de uma organização não-governamental que promove esportes para crianças e jovens pobres. Tais iniciativas gozam de reconhecimento público, devendo estar entre um dos motivos pelos quais a ex-atleta fora convidada para chefiar o novo Ministério dos Esportes, a despeito de não estar ligada a nenhum partido político.


O reestabelecimento de um Ministério inteiramente dedicado aos esportes tem sido celebrado entre facções da centro-esquerda como expediente indispensável para garantir recursos financeiros ao tema. Na pequena seção dedicada aos esportes, que ocupa apenas uma página, o documento final produzido pela equipe de transição celebra com nostalgia a ampliação de recursos para este setor nos antigos governos do PT, ao mesmo tempo em que condena a sua diminuição desde então, que chegarão a quase zero, segundo previsão orçamentária para 2023.

O que o documento não diz é que mais recursos para os esportes não necessariamente significam benefícios públicos para o conjunto da sociedade. Segundo estudos de especialistas no assunto, entre 2003 e 2016, cerca de 75% dos recursos públicos destinados aos esportes, que de fato tiveram brutal expansão naquele período, foram gastos com esportes de alto rendimento, incluindo construção de estádios para Copa do Mundo ou instalações para os Jogos Olímpicos. A maior parte da população sequer chegou perto dessas construções, algumas das quais se tornaram verdadeiros elefantes brancos.

Embora o documento produzido pela equipe de transição sugira também que velhas políticas do antigo Ministério dos Esportes devam ser reestabelecidas, chegando ao ponto de insinuar que as Olimpíadas e a Copa do Mundo foram realizações exitosas, as primeiras declarações da nova Ministra dos Esportes apontam em direção diferente.

Apesar de Ana Moser ter defendido o Bolsa Atleta, por exemplo, antiga iniciativa que concede apoio financeiro para atletas com certo nível de desempenho esportivo, acrescentou ressalvas de que este tipo de investimento se restringe a uma parcela pequena da população. Ana Moser explicitou um pouco mais sua visão sobre o assunto ao dizer que o Brasil precisa de uma política pública de esportes para o conjunto da população, não apenas para os atletas. Em outra declaração, para não deixar dúvidas acerca de suas compreensões sobre o tema, ela disse ainda que tinha intenção de “inverter a lógica de priorizar o alto rendimento”. Nas redes sociais, escreveu o seguinte: “Vamos fazer esta revolução, o esporte como direito de todos”.

“Inverter a lógica de priorizar o alto rendimento” de fato seria uma revolução, dado que alteraria o modo de envolvimento governamental com os esportes que vigora no Brasil desde a década de 1930, incluindo aí o que os antigos governos do PT fizeram.

O documento produzido pela equipe de transição, portanto, está errado; Ana Moser está certa.

Ana Moser é uma mulher arrojada, com uma visão socialdemocrata sobre os esportes. Os mandatários do PT, entretanto, mostram uma visão conservadora e elitista sobre os esportes.

Por mais acertadas e bem-intencionadas que sejam as visões de Ana Moser, porém, o problema é que ela será Ministra de um governo do PT. Conciliar essas duas condições pode não ser uma tarefa simples. O Lula que agora abraça Ana Moser é o mesmo que antes abraçou Carlos Arthur Nuzman — ex-presidente do Comitê Olímpico Brasileiro e principal articulador da realização das Olimpíadas do Rio, que agora aguarda em liberdade o desfecho judicial de sua condenação, que já está sacramentada. Qual desses dois Lulas devemos esperar com relação aos esportes de agora em diante?

Além disso, pela primeira vez, Ana Moser terá agora que navegar pelos mares turbulentos da política, quando terá que enfrentar a pressão dos oligarcas das federações e confederações esportivas, que seguirão lutando por seus quinhões no butim do que sobrou do Estado brasileiro. Geralmente, essa gente frequenta Brasília há muitos anos, de modo que conhecem bem os caminhos até os cofres públicos. Como de costume, aparecerão em Brasília, diante das câmeras, ladeados por atletas olímpicos, como Tiago Camilo ou Lars Grael, contando a comovente história de um jovem atleta pobre e talentoso, que por “falta de apoio” (esta é a expressão habitualmente empregada) não terá condições de participar do campeonato mundial de remo ou karatê em Edimburgo. Nem ele, deveriam acrescentar, embora nunca o façam, nem o presidente, o vice-presidente, o tesoureiro e o secretário da federação, que por isso mesmo precisam de “apoio”.

Vejamos como será o desenrolar dessa trama. Enquanto isso, sugiro ascendermos uma vela para iluminar os caminhos de Ana Moser.


* * *


Cleber Dias é professor da Universidade Federal de Minas Gerais, onde coordena o Grupo de Pesquisa em História do Lazer (Hisla).

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