Cleber Dias
O impeachment de Dilma até hoje gera controversas entre críticos e apoiadores. Foi ou não golpe?
Na ocasião, apoiadores do governo argumentavam e seguem argumentando que se tratou de um golpe, mas de natureza diferente daqueles realizados repetidamente na América Latina ao longo do século 20. Dessa vez, disseram, tratava-se de um “golpe parlamentar”, isto é, uma manobra política ilegítima urdida nos bastidores do Congresso a fim de derrubar uma presidenta honesta e legitimamente eleita pelo povo, sobre a qual pesavam acusações juridicamente frágeis, para não dizer inteiramente descabidas.
De acordo com entendimento implícito neste argumento, os políticos do Parlamento, apesar de eleitos pelo povo, não teriam legitimidade para usurpar o poder de outro político igualmente eleito. Apesar do impeachment ser um procedimento previsto no ordenamento legal, a fragilidade jurídica das acusações que pesavam no caso caracterizaria a atuação dos congressistas como desonesta e motivada por má fé, donde esses homens e mulheres não seriam dignos de confiança. Na verdade, de acordo com esse modo de pensar, esses políticos seriam traidores da confiança popular que lhes fora depositada através do voto. Seguindo ainda o argumento, o único modo de um impeachment tornar-se legítimo é estar inquestionavelmente em conformidade com a lei, do contrário, estaríamos sempre diante de um golpe.
Há dois problemas nesse raciocínio. O primeiro é o de determinar quando interpretações de uma lei podem ser cristalinas e inquestionáveis. As ciências jurídicas, como se sabe, não são um ramo das ciências exatas e a interpretação de leis frequentemente é subjetiva. Para complicar, no caso específico da lei que ordena o impeachment – a agora famosa lei 1.079 de 1950 –, a abrangência das situações passíveis de serem caracterizadas como crime de responsabilidade incluem 75 condutas. De certo modo, quem quiser encontrar um motivo para apear um presidente do poder, basta dar uma olhadela nessa extensa lista. Dependendo apenas do rigor da interpretação, é quase impossível que um presidente não cometa algum daqueles crimes.
O segundo problema diz respeito a própria circunscrição da discussão aos termos da lei. Com efeito, celeumas jurídicas são assuntos do interesse de juristas e outros “operadores do direito”, como se diz no jargão da área. A vida política, por outro lado, é assunto mais genérico, do interesse de todos os cidadãos. Obviamente, a vida política relaciona-se com as leis. São as leis que delimitam as regras que intermediarão os conflitos e acordos da política. São as leis, afinal, sujeitas à subjetividade das interpretações, que determinam o que vale e o que não vale no campo de disputa da política.
Todavia, impeachments não são apenas questões de leis ou de crimes, mas sim de correlação de forças na arena política. São políticos, não juristas, quem conduzem ou não conduzem processos de impeachments. Talvez por isso, golpistas não precisam de leis. Precisam de armas.
É isso, mano! O Direito é um campo de conhecimento eminentemente hermenêutico. E a hermenêutica que vence é aquela de quem domina os meios de exercício do poder. Mais democrático então jogar o jogo no campo da política.