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Reduzir assembleias é aprimorar a eficiência social das universidades

Foto do escritor: Cleber DiasCleber Dias

Por dois longos anos fui chefe de um departamento de uma universidade pública federal. Diferente do que o nome sugere, porém, ocupar essa posição outorga poucos poderes e quase nenhum prestígio. Não por acaso, quase ninguém quer ser chefe de departamento. A escolha de quem ocupará esse cargo – uma espécie de vítima a quem os colegas olham às vezes com raiva, às vezes com misericórdia – inicia-se com uma pergunta: “Quem quer ser chefe”?


Nesse momento, todos os espertos dão um passo atrás. O desavisado que não o fizer será então eleito com uma salva de palmas e tapinhas nas costas. Foi mais ou menos assim o caminho que me levou a essa ingrata posição.


Um chefe de departamento é basicamente um gestor de conflitos; um bombeiro que tenta apagar incêndios dia após outro. Além da monótona e tediosa rotina burocrática da universidade, que implica assinatura de memorandos e ofícios de utilidade duvidosas, boa parte do tempo de quem ocupa esse posto é tomado pelo trabalho de tentar apaziguar os muitos conflitos que tão habitualmente consomem professores universitários.


Mais do que um bombeiro, portanto, um chefe de departamento se assemelha também a um diplomata. Tal como um diplomata, um chefe de departamento não comanda exércitos e não controla orçamentos. Suas únicas armas são os substantivos, os adjetivos e os verbos. Destituído de poder efetivo, ele não ordena, nem comanda. Se quiser implementar quaisquer medidas, tudo o que pode fazer é falar e tentar persuadir.


Convencer professores universitários, contudo, pode ser tarefa difícil. Ao contrário do que certo lugar comum poderia nos fazer pensar, quanto mais instruído um indivíduo, mais difícil pode ser o seu convencimento de ideias contrárias. O alto grau de escolaridade pode reforçar o viés de confirmação das próprias crenças, uma vez que o repertório argumentativo para justifica-las tende a ser maior e mais sofisticado, por mais equivocadas que sejam. Com efeito, é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um indivíduo que se julga especialmente inteligente dar ouvidos ao que os outros dizem. Desnecessário dizer que faz parte da mística universitária que professores se achem especialmente inteligentes.


Uma das minhas muitas batalhas perdidas à frente de um departamento universitário disse respeito ao papel e ao lugar das assembleias departamentais. A cultura plebiscitária das universidades brasileiras prescreve e reivindica a realização de assembleias constantes. Praticamente em todos os meses letivos do ano essas assembleias se reúnem, dissertam e deliberam sobre os mais variados assuntos.


Essa cultura política é tão forte que tem vida própria, a despeito do que determinem os estatutos das universidades. Na universidade onde trabalho, por exemplo, o estatuto estabelece que assembleias departamentais têm poderes meramente consultivos. Está explicitamente escrito no artigo 51 desse estatuto: "A Assembleia do Departamento exerce funções consultivas", diz o documento, com grifo meu, para enfatizar e não deixar margem à dúvidas.


Várias vezes tentei destacar esse fato básico, mas ninguém dá ouvidos. No departamento onde trabalho, como em vários outros, as assembleias continuam operando com poderes deliberativos, como se detivessem algum tipo de soberania, que os estatutos de modo algum lhes confere.



Além de ignorar cotidianamente o estatuto da universidade, a cultura plebiscitária tem outros efeitos negativos, talvez ainda mais nocivos. Assembleias são cerimônias públicas e formais com caráter ritualístico. Dito de outro modo, assembleias não são propriamente espaços de diálogo, como parecem à primeira vista, mas muito mais ocasiões para competições retóricas.


Os diálogos verdadeiros acontecem em outras instâncias informais, como as mensagens de WhatsApp, os corredores da universidade e os interstícios dos cafezinhos nas lanchonetes e restaurantes. Desse modo, os assuntos verdadeiramente relevantes chegam até as assembleias decididos já, pois todos tiveram oportunidade de refletir com antecedência sobre as matérias que serão objeto de decisão, bem como definir uma opinião a esse respeito. Tudo não passa de um teatro, ou melhor dizendo, de um ritual.


O problema decorrente dessa cultura plebiscitária é que quanto maiores as oportunidades de competição dentro de um grupo, menores as chances de coesão e harmonia social, conforme nos ensinam há décadas vários achados das Ciências Sociais. Parte da natureza conflituosa das universidades, portanto, reside justamente nesse “excesso de assembleias” – que são na verdade ocasiões cerimoniais para competições retóricas, onde cada qual tenta ganhar protagonismo diante do grupo e fazer valer suas opiniões e preferências.


Nesse sentido, uma redução drástica das oportunidades de competição entre os membros do mesmo grupo, isto é, das assembleias, teria potencial de diminuir conflitos e aumentar a coesão social, algo afinal tão necessário para o trabalho produtivo e eficiente de qualquer grupo.


Sei que esta formulação pode soar contraintuitiva, pois quanto maiores as oportunidades de encontro, maiores parecem também as oportunidades de diálogo e logo de entendimento. No entanto, para que fosse assim, seria preciso que as ocasiões de encontro se dessem em um ambiente de confiança e segurança emocional, tal como as conversas informais que os professores espontaneamente estabelecem entre si. Reuniões ou assembleias, contudo, são ocasiões competitivas em que teses concorrentes se confrontam publicamente, diante dos olhos de todos, onde a construção de um ambiente de confiança, segurança emocional e coesão social, portanto, se torna difícil, senão impossível.

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