Wecisley Ribeiro do Espírito Santo
No Brasil atual, as opções de abrir ou fechar escolas de modo absoluto são ambas equivocadas. De um lado, segundo um estudo da Universidade de Granada, vinte crianças em uma sala de aula implica em 808 contatos cruzados em dois dias; de outro, o reconhecimento de que o ensino domiciliar é um privilégio e, portanto, não tem condições de universalidade, nos impõe a decisão fazer em 2021 algo diferente do que fizemos em 2020.
A desigualdade social extrema traz prejuízos tanto para os de cima quanto para os de baixo. Os últimos se defrontam hoje com uma escolha de Sofia. Forçadas a trabalhar precariamente, sem garantias trabalhistas, as famílias pobres que escapam da miséria extrema não têm amiúde infraestrutura e tempo para franquear aos filhos o ensino remoto. O mero acesso à internet, quando existe, não poderia estar mais longe de garantir que uma criança de seis anos seja alfabetizada com os recursos da própria sorte, enquanto seus pais lutam para lhe trazer o pão, ao fim do dia. A imagem, ademais, nos indaga imediatamente. Que é mais perigoso: enviar a criança à escola, sob risco de contrair Covid, ou permitir que fique só em casa, por vezes em contextos marcados pelo que Luiz Antônio Machado da Silva denominou “sociabilidade violenta”?
Mas a desigualdade social extrema, dizia, não faz mal apenas aos pobres; ela inviabiliza o desenvolvimento econômico, inclusive nos andares de cima e na cobertura. A exclusão educacional de vastas parcelas do povo brasileiro fecha gargalos importantes do sistema. Em primeiro lugar, o capital industrial subutiliza um mercado consumidor constituído pela quinta maior população do mundo – escala que está longe de ser desprezível –, na medida em que o poder de compra costuma acompanhar o nível de escolaridade. Em seguida, perde o capital financeiro, visto que baixos patamares de consumo se traduzem em desvalorização de ações. Finalmente, taxas depreciadas de salário conduzem à estagnação tecnológica. Como sugeriu o velho Marx, o investimento em tecnologia exige que seu preço se mantenha inferior ao preço da força de trabalho, sem o que esta será sempre preferível àquela.
A estrutura social brasileira é tão complexa que ao Estado caberia tratar o Sistema Nacional de Educação como serviço essencial, delegando às famílias o direito inalienável de optar por seu uso presencial ou remoto, a partir das próprias condições de vida. O Temperança Política tem há algum tempo defendido este princípio. É lugar comum afirmar que crises conduzem à inovação. Trata-se de praticá-lo, inventando meios de dispersar a frequentação e presença da comunidade escolar no tempo e no espaço, para evitar aglomerações.
Praticamente desde sempre a escola reclama revolução curricular. A pandemia nos oferece ensejo de pensar nesta tarefa histórica incontornável! Há farto cardápio de conceitos potencialmente renovadores. Diversificação curricular, utilização de ambientes abertos, cidade educadora, o caminhar como pratica poética (no sentido grego de poiesis, criação) de Francesco Careri, o método peripatético. As artes, o esporte, o lazer ao ar livre, vivido e interpretado com os recursos da ciência, a biodiversidade das florestas.
Sem dúvida, hão de se erguer indagações pessimistas: será seguro para estudantes e professores se deslocar no espaço urbano, em cidades tão perigosas e violentas? Não é preferível o confinamento em sala de aula, mesmo sob risco de contágio? “Viver é muito perigoso”, dizia o Riobaldo de Guimarães Rosa! Salas de aula são arriscadas por escassez de experiências de autocontrole do comportamento investido em medidas de segurança; ruas são perigosas por insuficiência de ocupação do espaço público pela sociedade civil – da qual fazem parte as comunidades escolares. Fechar escolas não significa evitar aglomerações, como temos visto; significa, dentre inumeráveis outras coisas, sonegar ao povo conhecimentos valiosos sobre medidas de proteção da saúde, infectologia, processos de mutação biológica e surgimento de novas variantes do vírus e sua correlação com o comportamento humano. Acima de tudo, corremos hoje o risco de morte espiritual de um povo inteiro, dada a ausência de ousadia para criar meios inventivos de cuidar do nosso maior patrimônio – a saber, as crianças.
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