Wecisley Ribeiro do Espírito Santo
Comentei há alguns dias, no contexto da polêmica entre modalidades de educação formal, presencial ou a distância, que a qualidade do aprendizado decorre do prazer pelo conhecimento. Lembrava então de Jaques Ranciére, para quem todos os seres humanos são igualmente inteligentes e capazes de aprender na ausência absoluta de ensino – esta palavra que, desde Paulo Freire, deveria ter ficado obsoleta. Ao professor cabe desobstruir o percurso que conduz o estudante à descoberta do sabor no saber. Dadas essas condições, a escola realizará sua vocação, presencial ou remotamente.
Longe disso, o Brasil da era Covid-19 segue travando uma infrutífera guerra discursiva. De um lado, os intelectuais de esquerda, negligenciando qualquer positividade da educação a distância, sob pretexto de combate à desvalorização e precarização do trabalho docente; de outro, gestores educacionais burocratas e suas imposições protocolares sobre os professores, sem qualquer entendimento sobre o fundamento lúdico da cognição humana. Pouca gente parece, pois, enxergar a histórica aula que esta quarentena está nos oferecendo sobre a educação de nossas crianças.
O coronavírus é uma tragédia! E o sofrimento que ele traz às pessoas afetadas é indizível! Antes de seu surgimento, contudo, uma praga mais devastadora já assolava a “família brasileira”, mesmo com muita gente defendendo-a em um jogo de cena retórico. Refiro-me à praga da desatenção às crianças! Muitas são as causas superficiais deste mal: as longas jornadas de trabalho e deslocamento no trânsito, entre os mais pobres; a obsessão por dinheiro e poder, entre os mais ricos; o vício das redes sociais, entre todos. Este último, aliás, instituiu a falta de atenção como padrão básico de interação social, independente da faixa etária. “Quando estão na universidade, conversam com a galera da rua; quando estão na rua, conversam com a galera da faculdade”, ironiza uma professora colega minha, na UERJ. E, no entanto, o problema de fundo é um só: um modo de vida patológico que fanatizou os meios econômicos, materiais, tecnológicos. E esqueceu-se de qual é o fim a que tais meios devem servir: a qualidade de vida.
Nesse contexto, a aula mais preciosa não é mediada pela tecnologia digital. A EAD tem sido muito importante, mesmo para crianças como as minhas, que têm a felicidade de serem filhos de professores. Mas a grande mestra dos dias atuais é a quarentena ela própria! Antes dela, quantas crianças jamais teriam oportunidade de passar um dia inteiro com seus pais? De se verem envolvidas em um ambiente familiar comunicativo e afetivamente intenso? Claro que a proximidade física não é condição suficiente da comunicação e de afetos positivos, mas é condição necessária.
Se queremos uma sociedade fraterna, justa, democrática, pacífica, importa educarmos os adultos do futuro nestes valores. E isso não se forja apenas no currículo escolar, mas, antes de tudo, no afeto familiar. Pelo menos metade da população das grandes cidades – aquela que não possui habitação ou habita casas inabitáveis – não terá acesso à aula magna da quarentena; o que faz desta mais um infeliz privilégio. Mesmo assim, se daqui a vinte ou trinta anos esta geração de crianças experimentasse uma marca educativa salutar, deixada por seus pais, durante os já distantes idos da pandemia, os excluídos de hoje desfrutariam também de uma sociedade renovada (o que não exclui a luta no presente contra a exclusão e o privilégio). Mas quantos de nós, privilegiados, estamos aproveitando as lições desta aula? A julgar pela compulsão em cumprir os protocolos curriculares, creio termos muitos “alunos” que, fazendo jus ao nome, seguem sem contemplar as luzes da educação genuína.
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